O Diálogo de um Assalto à Mão Armada
Caesar Pierini
22/10/2008, São Sebastião - SP
Boa noite. –Despediu-se o apresentador do tele-jornal.
Paulo estava sentado sobre uma poltrona amarela, no canto direito do quarto alugado.
O rapaz de trinta e poucos anos, como gostava de dizer, tinha seus cabelos grisalhos penteados para trás. Recém chegara de uma assembléia dos operadores da bolsa de valores.
Logo cedo, na manhã seguinte, reiniciaria a maçante e prolixa reunião à qual o rapaz era obrigado a participar todos os anos.
Sentado com as pernas apoiadas sobre uma mesinha de centro que, paradoxalmente, se encontrava à direita do quarto e junto à poltrona, Paulo acendia um cigarro com a mão esquerda. Sua mão direita estava enfiada entre a almofada e o apoio de braço da poltrona amarela.
Um estrondo, vindo da direção da janela do quarto, fez com que Paulo derrubasse o cigarro no piso de granito.
A cortina começou a se mover desde a ponta até o centro. Cessado o movimento, uma mão abriu um dos lados da cortina, relevando um moço com uma meia-calça, bizarramente, enfiada na cabeça. Bizarramente, pois a meia-calça não havia sido cortada e sua ponta comprida estava caída por cima de um dos olhos do moço.
O moço puxou a ponta pendurada para o lado, como se penteasse a franja do cabelo, e ficou parado, olhando para Paulo.
Paulo, começando a entender o que acontecia, suspirou da mesma maneira que suspirava quando era abordado por um mórmon ao entrar em sua casa.
O “moço” passou a se qualificar “ladrão” quando, em voz baixa, gritou:
- Isso é um assalto!
Tirou a mochila das costas e pegou uma arma de fogo.
Paulo, ainda na mesma posição, perguntou:
- Posso acender um cigarro?
- Não! ...Sim, mas não se mova! – Respondeu o ladrão.
Paulo esticou o braço esquerdo, mantendo a mão direita onde estava. Pegou um cigarro, colocou na boca e acendeu. O ladrão permanecia em silêncio.
- E então... – Disse Paulo.
- Passa tudo! – Falou o ladrão.
- Minha carteira está embaixo do casaco. Pode levar, é tudo o que tenho.
- Eu disse tudo ou eu atiro! – Dizia o ladrão, enquanto apontava a arma, tentando não tremer.
Paulo não estava apavorado, pois viu que a mochila do rapaz tinha o emblema do hotel em que estava hospedado. Certamente se tratava de um funcionário oportunista e atrapalhado.
- É uma bela arma! Um revolver calibre trinta e oito, produzida no México. (dizia Paulo ao fingir ser um conhecedor de armas) – É uma pena que você não sabe atirar.
- Eu sei sim. Já matei um com essa arma. O espertinho tentou fugir, eu dei oito tiros nele. – respondeu o ladrão na tentativa de intimidar.
- É mentira!
- O senhor tá se achando muito engraçado, pois eu vou dar uns tiros em você, ai vamos ver se o senhor muda de idéia...
- Não mudo! Você está mentindo, rapaz. Essa arma não dá mais que seis disparos. Você nunca atirou na vida!
O ladrão foi pego pela contradição, moveu os olhos pra pensar numa resposta e disse:
- Não lembro quantos tiros, mas foram vários. E cala a boca, senão eu atiro...
Paulo riu, o que deixou o ladrão mais desconcertado.
- Você não pode atirar. Você nem tirou a trava de segurança.
O rapaz olhou por toda a arma, tremulo, procurando a tal trava. Não encontrou nada.
Paulo também estava nervoso ao blefar, porém estava acostumado a negociar ações de alto risco no mercado financeiro. Dissimular era um hábito rotineiro de Paulo.
- Então eu vou testar. (disse o ladrão) Você me passa tudo, carteira, dinheiro, cheque assinado e celular. Caso contrário eu atiro. Se você tiver sorte, a arma não dispara. Vai, levanta!
- Daqui eu não levanto!
- Você é louco? Porque não vai levantar?
- Porque eu não posso soltar o que tenho na mão direita. – Disse Paulo, mantendo a mão no vão da poltrona.
Os dois se olhavam nos olhos. Paulo inclinou a cabeça para baixo lentamente, fazendo com que seu olhar parecesse mais intimidador.
- E o que é que você tem ai? Pode passar também!
- Isso aqui eu não vou passar, você não vai saber usar. – Disse Paulo, em tom irônico.
- Passa logo!- Gritou o ladrão.
- Isso aqui... (disse Paulo enquanto fazia o movimento de engatilhar uma arma) ... eu só tiro com um propósito. E você não vai gostar se eu tirar a mão daqui.
- É uma arma?
- Talvez.
- Para de graça, tio. Se você me ameaçar eu atiro! É uma arma?
- Você não vai atirar, sua arma está com a trava. Se você se mexer eu uso o que tenho aqui na minha mão. Abaixe a arma, moleque! - Disse Paulo com firmeza.
O rapaz abaixou a arma.
- Coloque-a, devagar, ao lado da porta!
O rapaz assim o fez. Afastou-se lentamente da arma com as mãos levantadas e olhando fixamente para Paulo. Não pronunciou uma palavra.
Parado novamente junto à janela, o rapaz tentou pular para fora, mas, ao tentar encontrar a abertura que unia os dois lados da cortina, Paulo moveu um pouco o braço direito, enquanto disse:
- Aã! Pode parar!
- Não tio, (dizia o rapaz quase chorando) deixa eu ir embora!
- Vem aqui! (silêncio) Vem aqui! – Gritou Paulo.
O rapaz se aproximou ofegante e receoso.
- Acenda um cigarro pra mim!
- Eu não fumo... Desculpa, sim senhor!
O rapaz, que quase urinava, pegou o maço de cigarros e começou a chorar.
- O que foi? – Perguntou Paulo.
- Está vazio.
- Engole o choro!
Com o grito de Paulo, o rapaz derrubou o maço vazio no chão e calou-se.
- Agora vaza!
Rapidamente o jovem correu e pulou para fora do quarto, deixando pra trás sua mochila e a arma.
Paulo, então, ergueu a mão direita do vão. Apontou em direção à TV e usou o controle-remoto pra mudar de canal.
Paulo abriu a mochila do rapaz e descobriu que seu nome era Carlos, Carlos Nogueira dos Santos, o garçom do hotel.
Na mochila não havia drogas, nada ilícito que justificasse o assalto, apenas um crachá do hotel, livros de ficção e uma ordem de despejo em nome de Maria Aparecida Nogueira dos Santos.
Paulo preencheu um cheque no valor citado pela ordem de despejo e o colocou entre as coisas de Carlos. Entregou a mochila na recepção, alegando ter encontrado em um dos corredores.
Nas manhãs seguintes, daquela semana, Paulo recebeu o dobro de pães tostados em seu café da manhã.
1 comentários:
hashashaushasah
Muito bom...
kkkkkkkkk
= )
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