O DESEJO DE PHAEDRO

Phaedro era moço, e pensava e vivia como moço.
Morava só, na edícula de uma velha casa, de uma velha dona.
Revisava textos para um jornal quase falido e ganhava não mais do que necessitava para viver.
Suas únicas companhias eram: Margoth, a arquivista solteirona, que passava o dia cantando Mireille Mathieu, enquanto equilibrava seus grandes e quadrados óculos sobre a ponta do nariz; As pilhas e mais pilhas de papéis que forravam sua riscada mesa de mogno; e Greta, a velha dona da velha casa.
Findo o trabalho, e, após a alavanca do ponto ser puxada, Phaedro voltava para casa.
Sempre em passos largos, como se alguém o esperasse, caminhava com as mãos dentro de seu blazer cinza escuro.
Fumava um cigarro curto, em seis movimentos, e lançava-o precisamente no mesmo lugar, todos os dias, ao fazer a curva que o conduziria as escadas do metrô.
Com um movimento seco e impaciente, batia o bico do sapato no chão, esperando que a porta do trem abrisse.
Trinta e seis degraus acima, dezoito passos largos à esquerda e quarenta e três à direita, chegava em casa.
O ranger do velho portão, anunciava ao bule que começasse a apitar.
Sem que a campainha fosse tocada, Greta abria-lhe a porta diariamente.
Phaedro passava, pendurava seu blazer e sentava sobre a poltrona de veludo bordô à direta da sala.
Phaedro elegia o sabor do chá, dentre os, ali, existentes, e colocava-o na vazia xícara de porcelana pintada.
Greta despejava a água, olhando nos olhos do rapaz, que, ao mover a cabeça, confirmava a quantia desejada.
Então, a velha puxava seus ruivos e grisalhos cabelos até a nuca e prendia-os com apenas três voltas.
Sentada numa cadeira de espaldar alto e entalhada, acendia um longo e fino cigarro.
Fumava observando os lábios do rapaz se contraírem ao sugar pequenos goles da escaldante bebida.
Silenciosamente, retirava as xícaras e permanecia ausente enquanto o jovem, por sua vez, fumava.
Phaedro não sabia nada a respeito de Greta, apenas que era alemã, pois o disseram ao alugar a edícula.
Nunca ouviu sua voz, nem ruído algum produzido pela velha.
Somente ouvia uma melancólica e curta melodia, provinda de um porta-jóias ou caixinha de música, antes que as luzes da janela do quarto de Greta se apagassem.
As fotos espalhadas pela sala de Greta, lhe causavam curiosidade, mas nunca às apontou ou perguntou algo.
Gostava de imaginar quem seria aquela calada velha, que esteve em várias partes do mundo, e como, por fim, parou ali.
Sempre só, nas fotos, e nunca olhando diretamente para câmera, Greta parecia compor parte de cada lugar em que esteve.
Suas estranhezas se completavam e a convivência se satisfazia desses poucos minutos.
Em seu quarto, Phaedro tirava os sapatos, deitava e lia.
Lia muito e sempre.
Nunca saberemos o que lia, pois todos os seus livros eram encapados em papel pardo.
Penso que eram pardos para não distrair-se do conteúdo das histórias.
Mas apenas penso e não mais que isso.
Phaedro fechava as cortinas ao despir-se.
Motivo pelo qual não descrevo seus contornos.
Seus prazeres eram distintos aos dos outros; eram próprios.
Queria conhecer e decifrar o próprio corpo.
Era só e não, pois buscava em si a permuta do prazer.
Amava suas mãos e os pelos que as revestiam.
Experimentava, sem pressa, cada um de seus agrados.
Phaedro não buscava companhia, porém, a casualidade lhe provia alguns encontros, por palavras não ditas em olhares coniventes.
Não encontrava prazer no próximo, mas no seu prazer, refletido em outros olhos.
Não caberia julgar-lo, pois todos nós sabemos o que intentamos em pensamento sem, nunca, declarar.
Mas Phaedro o fez.
Em um encontro com a, propositadamente, afastada família, questionaram-lhe
sobre seu modo de viver e se pretendia casar-se ou não.
Respostas não saciavam a curiosidade, da qual todos se alimentavam, sobre a extensa mesa.
E enquanto Phaedro, de cabeça baixa, escrevia em um guardanapo, perguntaram-lhe o que desejava da vida.
O rapaz levantou, deixando sobre mesa o papel que dizia:

...Trago no peito um desejo intenso
De ver, pelos olhos meus, o corpo que me pertence
No seu-meu momento mais íntimo de prazer.
Eu, de mim para outrem, que seja eu e não, ao mesmo tempo.
Descobrindo que sabores possuo quando minha pele é espoliada,
Em quais recôncavos se escondem minhas delícias.
E quão cálidas, pulsam minhas saliências.
Quero sentir com que força jorram meus fluidos
E com que rapidez os pelos se eriçam, ao toque dos dedos meus;
Conhecer o calor da minha língua sobre toda sinuosa ou estreita curva
E a fome com a qual, minha boca, sugaria a fina pele que cinge os pescoços.
Quero saber quantos graus meus olhos se elevam nos últimos tremores
E o cheiro que meus poros exalam, após o derradeiro suspiro...


Caesar Pierini 10/10/08

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