FLASH BACK


FLASH BACK
Caesar Pierini


Tem dias que a gente não sabe o que escrever.
Sente vontade, mas não vem nada na cabeça.
Esses dias estão sendo constantes de um tempo pra cá.
Gostaria de escrever sobre as pessoas e como elas agem.
E por um instante lembro que também ajo e sou uma pessoa.
Gosto de escrever sobre mim, embora sinta ciúmes de compartilhar minhas histórias com qualquer tipo de gente.
Aliás, o que define o “tipo de gente”??
Não sei explicar, mas sei fazer bem; e mais do que gostaria.
Às vezes tem-se que inventar o que escrever.
Tem dias que eu invento o que fazer.
Uma vez, há um bom tempo, tomei uma decisão radical. Terminei uma relação masoquista, com a frieza de um sádico.
Oito meses foram necessários para tomar uma atitude e vinte minutos para fazer minhas malas.
Levei apenas minhas roupas e deixei para trás toda uma incontável coleção de tentativas mal-sucedidas. Fui em paz, ainda que com dor, pois fiz tudo que pude.
Deixei uma carta sobre a mesa.
Aluguei um quarto com banheiro em uma pensão mui pintadinha. Era o primeiro morador do lugar.
Uma semana depois, com a chegada da dona, as cores da pensão começaram a mudar.
A dona se chamava Amália. Chamava, pois acredito que já morreu.
Amália era uma velha Paraguaia, bem chantagista emocional, e tinha seus oitenta e poucos anos. Tinha também duas filhas que consumiam todo o dinheiro da velha, mesmo não morando lá.
Então pensem: pensão vazia, filhas exploradoras, velhinha carente, igual à: mau negócio!
Tive que sustentar a velha por algumas semanas. E que bom gosto tinha a vovozinha, só comia coisas caras...
Um dia comprei dois frangos, pois queria fazer uma comida indiana, com curry e tudo mais.
Fui para o curso, em que eu era bolsista, e quando voltei, havia uma panela de canja.
A velha Amália fez uma canja com dois frangos inteiros!
Falei, com toda delicadeza, que pude, que não me incomodava dividir minha comida com ela, mas que uma canja não se faz com dois frangos inteiros, mesmo porque eu nem gosto de canja.
Antes tivesse me calado. A velha se recusou a comer por dois dias e fazia questão de me mostrar que só comia pão seco e água.
Eu sei que, quando chegava o final de semana, eu queria sumir daquele lugar.
Fui andar pelo centro a noite e casualmente encontrei um amigo. Ele me disse que teria uma festa em uma dessas boites do centro.
Caminhei um pouco mais e, vejam que curioso, encontrei no chão algo que me chamou a atenção.
Era um pequeno, e ilícito, fumo enrolado em papel de seda.
Pensei: para uma noite monótona, pode ser a solução!
Nunca me agradou, muito, transgredir os limites da consciência, mas a abstração era necessária naquele turbilhão de objetividades. E fui feliz pelo trajeto da tal boite.
Acho que cheguei muito cedo, pois não havia ninguém em frente o endereço que me deram.
E esperei alguns minutos (que pareciam horas).
De repente uma vontade louca de tomar algo, secou minha boca.
Atravessei a rua para comprar um refrigerante e perguntei:
- Quanto custa?
- Dois reais – me disse a moça.
Eu tirei umas moedas do bolso e contei, recontei. Até que a mocinha me alertou que só tinham dois reais em minha mão. Eu sorri e paguei.
Voltei para o outro lado da rua e tomei meu refrigerante.
A porta do lugar abriu e eu continuava sendo o único na minha fila imaginária.
Já não aguentava mais beber aquilo e atravessei a rua para me desfazer da lata.
Quando retornei, minhas pernas começaram a tremer e eu tinha a impressão que as hosters da casa podiam ver isso.
Tentei todas as posições que a parede podia me oferecer como apoio, mas nada resolvia.
Até que alguém gritou:
- Pode entrar!
Ai, que alívio! Tremi minhas pernas até a porta, fui revistado e subi uma interminável escada.
Na primeira curva que havia, eu sentei em um banco.
Estávamos o barman, as luzes e eu.
Minha boca começou a formigar e antes que eu pudesse terminar a constatação de que ia vomitar, eu gorfei.
Dissimulei artisticamente, o gorfo ainda na boca, com um simpático sorriso até o banheiro mais próximo.
Silenciosamente, lavei o vaso sanitário com o refrigerante que havia tomado.
E pela meia hora seguinte repeti a mesma cena em alternados banheiros, para que ninguém percebesse que, além de ser o único ali, já tinha entrado “bem”.
Meia noite as pessoas entravam e o lugar parecia menor. Eu, sentado na beira do palco, não era capaz de mover um dedo.
Vi, de longe, meu amigo chegar, e entrar, e pedir uma bebida, e olhar no relógio várias vezes...
Juro que tive vontade de erguer o braço para que pudesse ser visto, mas parei na vontade.
Quase uma hora depois, meu amigo foi embora.
Pronto!- Pensei- Como é que vou embora??
Não me lembro quanto tempo depois, mas tive uma sede imensa.
Já podia andar e,lentamente, fui até o balcão tomar uma água.
A água desceu tão molhada que uma vontade de dançar tomou conta do meu corpo.
Uma energia circulava em mim, no mesmo ritmo em que a música tocava. Comecei a dançar e aquilo foi muito bom.
Dancei muito e de olhos fechados. Quando abri, levei um susto!
Um bêbado, pior que eu, estava com a mão no meu ombro pulando e gritando “uhh dererê!”
Eu estava no meio de uma roda e todo mundo batia palma e ria.
Meu Deus, que vergonha!
Acho que fiquei tão sem graça que a brisa passou no mesmo instante.
Paguei minha comanda e saí.
Parei no caminho para tomar um café e, após sair, um rapaz me pediu um cigarro.
Dei-lhe e segui andando. Ele também andou e puxou conversa.
Falou do tempo, que podia chover, disse que ia pegar o metro assim que abrisse, que adorava São Paulo.
Me pediu mais um cigarro e viramos uma esquina.
Depois disso a conversa terminou com a seguinte frase:
- Você é muito gente-fina, mas eu vou estar te assaltando!
Primeiro ele pegou minha carteira, depois meu maço.
Me deu um cigarro antes de ir e me desejou boa noite.
Não me lembro se respondi.
Mas lembrei, na porta da pensão, que minha chave estava dentro da carteira.
Por não ter coragem de acordar a velhinha às quatro da manhã, fiquei até as oitos em um boteco, onde consegui cigarros e muitos cafés fiados.

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